O processo de configuração da cultura europeia é uma adaptação/recriação da raiz greco-latina e judaico-cristã.
Tal afirmação pode ser analisada a partir do próprio conceito da palavra tradição (do latim: traditio, tradere = entregar) - é a transmissão de práticas ou de valores de geração em geração; o conjunto das crenças de um povo, que é transmitido e mantido com respeito através das gerações.
A tradição e a sua presença na sociedade baseiam-se em três pressupostos antropológicos: nós somos mortais, temos memória curta e, consequentemente, necessitamos de um nexo de conhecimento entre as gerações. Também na raiz da palavra está a trans-ditio – dádiva ou herança que só se ativa quando o recetor tem uma atitude criativa: não é uma herança no sentido material convencional (tesouro Britânico), é uma herança que só existe quando se torna viva, o que implica uma dose necessária de transfiguração ou de adulteração do herdado (Germânia de Tácito).
Além disso, a cultura europeia pode ser vista enquanto instrumento de poder. Uma herança legitimadora de poder, translatio imperii. Ao longo dos séculos, todos os homens que chegaram ao poder demonstraram, por um lado, um desejo imensurável de permanecer eternamente na memória dos povos (ser nobre e excelente em todas as coisas para nunca ser esquecido) e, por outro lado, ser considerado legitimamente o herdeiro da tradição dos grandes homens e dos grandes impérios, dos seus símbolos e da sua cultura.
Deste modo, o obelisco pode ser encarado como um destes símbolos adoráveis e desejáveis por todos os soberanos. Era um monumento em honra ao deus-sol Rá dos egípcios. Eram usados para glorificar os faraós. Suas inscrições descrevem vários governantes egípcios como "amado de Rá" ou "seu poder é como o de Montu (deus da guerra), o touro que esmaga terras estrangeiras e mata os rebeldes".
Os romanos
Em 30 a.C., o Egito se tornou uma província romana. Vários imperadores romanos queriam adornar Roma com monumentos de grande prestígio, de modo que até 50 obeliscos foram levados à cidade. Desta maneira, podemos interpretar, por exemplo, a atitude de César Augusto, ao levar um obelisco para Roma, como o desejo de demonstrar que o centro do poder está, legitimamente, em Roma e que ele é o herdeiro do Império de Alexandre Magno.
Importante realçar a influência de Horácio (séc. I a.C.) que afirma "Graecia capta ferum victorem cepit et artis intulit in agresti Latio" (A Grécia conquistada conquistou o bárbaro conquistador (romanos) e introduziu as artes no rude Latim). E também de Políbio que afirma: todos os impérios têm fim.
Por isso, os romanos interiorizaram a importância de desenvolver uma cultura grandiosa que permanecesse como paradigma para sempre na memória de todas as gerações.
Quando da Terceira Guerra da Macedónia (171 a.C. - 168 a.C.), que opôs Roma a Perseu da Macedónia, Políbio liderou a defesa da neutralidade da Acaia naquele conflito. Contudo, não conseguiu conquistar a confiança romana, o que acabou com as intenções de neutralidade da liga. Em consequência, os romanos decidiram levar 1000 nobres da Aqueia, como reféns, para Roma, em 167 a.C., forçando-os a permanecer no exílio durante 17 anos. Entre estes reféns, encontrava-se Políbio. Sendo um homem culto, em Roma, teve a oportunidade de ser preceptor do jovem Cipião Africano, futuro herói da Terceira Guerra Púnica, estabelecendo laços que os ligariam durante toda a vida e uma grande influência no pensamento romano das gerações seguintes (a importância da educação para alcançar a grandiosidade e a eterninade).
O cristianismo
Também o cristianismo (a partir de Constantino no século IV) e os papas continuaram esta tradição. Entrou, desta forma, no Império Romano a influência institucional do livro de Daniel (judaico-cristão), representada pela cruz acima de todos os obeliscos - um símbolo da vitória do Cristianismo sobre o Paganismo.
O livro de Daniel (séc. II a.C.) revela a história desse jovem hebreu que, com 18 anos de idade, foi levado preso para Babilônia e se tornou oficial do governo do Império Babilônico, comandado pelo rei Nabucodonosor, sob a bênção e direção de Deus. O livro também revela como Deus protegeu e abençoou a vida desse jovem que sempre foi fiel aos princípios bíblicos. Podemos dizer que está dividido em duas grandes partes: os capítulos de 1 a 6 tratam da parte histórica e os capítulos 7 a 12 da parte profética. Os primeiros seis capítulos apresentam o conflito sobrenatural entre as forças do bem e do mal. Os demais revelam a tentativa humana de estabelecer um domínio mundial, perseguindo-se inclusive o povo de Deus. É afirmado que os judeus são o povo escolhido por Deus e o seu império é eterno, é um Império Espiritual. Os judeus propõem, assim, um modelo transnacional que põe em causa a lógica do Estado Imperial, propondo um poder espiritual eterno.
Carlos Magno
Outro grande soberano (talvez o maior) que seguiu e perseguiu este ideal de tradição foi Carlos Magno. Em 768, o seu pai (conhecido como Pepino, o Breve) morre. Carlos e o seu irmão Carlomano herdam o reino dos Francos. Em 771, morre Carlomano. Carlos reunifica o Reino Franco. A partir de 772 inicia a conquista da Germânia. De seguida, conquista a Pavia; derrota os Lombardos; conquista terras de Espanha, passando pelo norte de Itália até ao rio Elba. Também conquistou a Saxónia no século VIII, um objetivo que foi o sonho inalcançável do Imperador César Augusto. Foi necessário mais de dezoito batalhas para que Carlos Magno conseguisse a vitória definitiva. E depois procedeu à conversão forçada ao cristianismo dos povos conquistados. Finalmente, em 778, o papa Adriano saúda Carlos como novus Chistianissimus Dei Constantinus imperator. Em 799, o papa Leão III pede auxílio a Carlos Magno para manter o pontificado. Em 800, durante a missa de Natal em Roma, o Papa Leão III coroou Carlos Magno como Imperador, título em desuso no Ocidente desde a abdicação de Rómulo Augusto em 476.
É importante ainda realçar um detalhe significativo: o papa Leão III conseguiu realizar os seus desígnios (a restauração do império) ao pôr, com as suas próprias mãos, a coroa sobre a cabeça do novo Imperador. No fundo, o papa estava reivindicando a supremacia (mesmo que simbólica) da autoridade pontifícia sobre o Império. Não é por acaso, que mil anos depois, Napoleão, consciente das implicações, convidou o papa para a sua coroação, mas teve o cuidado de ser ele mesmo a por a coroa.
Além disso, Carlos foi reconhecido pelo patriarca de Jerusalém como o protetor dos Santos Lugares e recebeu as chaves do Santo Sepulcro. Por fim, em 801, toma Barcelona e faz aliança com o califa de Bagdad e pensa casar-se com Irene de Bizâncio, a fim de consumar a unificação do Império Romano. Em 814 morre.
Reforma da educação de Carlos Magno
Para unificar e fortalecer o seu império; para por em prática o Império Romano sem fim que Virgílio (séc. I a.C.) declara na Eneida; para reavivar a herança de Augusto, de Alexandre e até de David – imitatio imperii – como exemplo o palácio de Aquisgrano que devia competir com Roma e Constantinopla; e para perdurar o seu nome para toda a eternidade, Carlos Magno decidiu executar uma reforma na educação (latinistas). O monge inglês Alcuíno elaborou um projeto de desenvolvimento escolar que buscou reviver o saber clássico estabelecendo os programas de estudo a partir das sete artes liberais: o trivium, ou ensino literário (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium, ou ensino científico (aritmética, geometria, astronomia e música). A partir do ano 787, foram emanados decretos que recomendavam, em todo o Império, a restauração de antigas escolas e a fundação de novas. O ensino da dialética fez renascer o interesse pela indagação especulativa. Dessa semente surgiria, mais tarde, a filosofia cristã da escolástica e nos séculos XII e XIII, muitas das escolas que foram fundadas, ganharam a forma de universidades medievais.
Deste modo, o seu reinado está associado com a chamada Renascença carolíngia, um renascimento das artes, religião e cultura. Por meio de suas conquistas no estrangeiro e de suas reformas internas, Carlos Magno ajudou a definir a Europa Ocidental e a Idade Média na Europa. Ele é chamado de Carlos I nas listas reais da Alemanha, do Sacro Império Romano Germânico e também na França. De un modo u otro, la historia romana y el Antiguo Testamento, el recuerdo de Constantino, y el de David y Salomón, se unían aquí para designar al rey de los francos como el hombre de la Providencia.
Em seu discurso de aceitação do Prêmio Carlos Magno, o papa João Paulo II se referiu a ele como Pater Europae : "seu império uniu a maior parte da Europa Ocidental pela primeira vez desde os romanos e a Renascença carolíngia encorajou a formação de uma identidade europeia comum."
Ibéricos
Os portugueses e os espanhóis, na altura dos Descobrimentos, declaram-se como herdeiros deste império secular e cristão (por isso, Os Lusíadas deve ser lido como um livro europeu): Camões fala de Lisboa nova Roma e também Cessem do sábio Grego e do Troiano/ As navegações grandes que fizeram;/Cale-se de Alexandro e de Trajano/ A fama das vitórias que tiveram; e Padre António Vieira fala do V império, a necessidade de recuperar o monopólio de Lisboa sobre a península Ibérica, capital do Império ultramarino.
Concluindo
Por fim, podemos concluir que os obeliscos saíram de sua terra de origem e se tornaram símbolos visíveis das grandes civilizações que os produziram. Foram levados ou copiados em diversos lugares do mundo como Istambul, Londres, Paris, Roma, São Paulo, Nova Iorque, Washington… Símbolos da eterna tradição. A infinita vontade de poder, o eterno desejo de perdurar. A obsessão de fixar na eternidade a excelência de uma cultura.